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9 years ago
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"O coração, se pudesse pensar, pararia."
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"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do
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abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma
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prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis,
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porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao
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que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao
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que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até
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mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e
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canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
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Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que
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me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro
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dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se
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não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."
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"Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como
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sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a
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substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de
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milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança
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sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo
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mais porque vivo maior."
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"Prefiro o Vasques homem meu patrão, que é mais tratável, nas horas difíceis, que todos os
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patrões abstractos do mundo."
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"Tenho ternura, ternura até às lágrimas, pelos meus livros de outros em que escrituro, pelo
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tinteiro velho de que me sirvo, pelas costas dobradas do Sérgio, que faz guias de remessa um
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pouco para além de mim. Tenho amor a isto, talvez porque não tenha mais nada que amar ou talvez, também, porque nada valha o amor de uma alma, e, se temos por sentimento que o
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dar, tanto vale dá-lo ao pequeno aspecto do meu tinteiro como à grande indiferença das
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estrelas."
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"Vejo-o [o patrão Vasques], vejo os seus gestos de vagar enérgico, os seus olhos a pensar para
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dentro coisas de fora, recebo a perturbação da sua ocasião em que lhe não agrado, e a minha
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alma alegra-se com o seu sorriso, um sorriso amplo e humano, como o aplauso de uma
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multidão."
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"Ah, compreendo! O patrão Vasques é a Vida. A Vida, monótona e necessária, mandante e
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desconhecida. Este homem banal representa a banalidade da Vida. Ele é tudo para mim, por
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fora, porque a Vida é tudo para mim por fora.
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E, se o escritório da Rua dos Douradores representa para mim a vida, este meu segundo
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andar, onde moro, na mesma Rua dos Douradores, representa para mim a Arte. Sim, a Arte,
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que mora na mesma rua que a Vida, porém num lugar diferente, a Arte que alivia da vida
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sem aliviar de viver, que é tão monótona como a mesma vida, mas só em lugar diferente. Sim,
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esta Rua dos Douradores compreende para mim todo o sentido das coisas, a solução de todos
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os enigmas, salvo o existirem enigmas, que é o que não pode ter solução."
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"Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos
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gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos;
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mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi
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a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas
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vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me
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respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com
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que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a
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narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos
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siameses que não estão pegados."
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"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem
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importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto."
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"De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a
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compreensão profunda de estar sentindo...Uma inteligência aguda para me destruir, e um
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poder de sonho sôfrego de me entreter...Uma vontade morta e uma reflexão que a embala,
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como a um filho vivo..."
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"Tenho fome da extensão do tempo, e quero ser eu sem condições."
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"Uns governam o mundo, outros são o mundo."
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"Há em olhos humanos, ainda que litográficos, uma coisa terrível: o aviso inevitável da
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consciência, o grito clandestino de haver alma."
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"Sinto um frio de doença súbita na alma"
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"Tinha-me levantado cedo e tardava em preparar-me para existir."
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"Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um
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desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quanto
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me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente
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um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar,
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mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamentamente."
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"São as pessoas que habitualmente me cercam, são as almas que, desconhecendo-me, todos os
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dias me conhecem com o convívio e a fala, que me põem na garganta do espírito o nó salivar
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do desgosto físico. É a sordidez monótona da sua vida, paralela à exterioridade da minha, é a
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sua consciência íntima de serem meus semelhantes, que me veste o traje de forçado, me dá a
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cela de penitenciário, me faz apócrifo e mendigo."
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"Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da
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minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o
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que sente e o que vê."
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"E, por fim, tenho sono, porque, não sei porquê, acho que o sentido é dormir."
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"A humanidade tem medo da morte, mas incertamente."
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"E não sei o que sinto, não sei o que quero sentir, não sei o que penso nem o que sou."
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"Verifico que, tantas vezes alegre, tantas vezes contente, estou sempre triste."
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"Não vejo, sem pensar."
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"Não há sossego - e, ai de mim!, nem sequer há desejo de o ter."
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"Assim como lavamos o corpo deveríamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de
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roupa - não para salvar a vida, como comemos e dormimos, mas por aquele respeito alheio
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por nós mesmos, a que propriamente chamamos asseio.
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Há muitos em quem o desasseio não é uma disposição da vontade, mas um encolher de
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ombros da inteligência. E há muitos em quem o apagado e o mesmo da vida não é uma forma
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de a quererem, ou uma natural conformação com o não tê-la querido, mas um apagamento da
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inteligência de si mesmos, uma ironia automática do conhecimento.
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Há porcos que repugnam a sua própria porcaria, mas se não afastam dela, por aquele mesmo
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extremo de um sentimento , pelo qual o apavorado se não afasta do perigo. Há porcos de
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destino, como eu, que se não afastam da banalidade quotidiana por essa mesma atracção da
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própria impotência. São aves fascinadas pela ausência de serpente; moscas que pairam nos
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troncos sem ver nada, até chegarem ao alcance viscoso da língua do camaleão.
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Assim passeio lentamente a minha inconsciência consciente, no meu tronco de árvore do
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usual. Assim passei o meu destino que anda, pois eu não ando; o meu tempo que segue, pois eu
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não sigo."
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"Releio passivamente, recebendo o que sinto como uma inspiração e um livramento, aquelas
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frases simples de Caeiro, na referência natural do que resulta do pequeno tamanho de sua
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aldeia. Dali, diz ele, porque é pequena, pode ver-se mais do mundo do que da cidade; e por
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isso a aldeia é maior que a cidade...
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"Porque eu sou do tamanho do que vejo
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E não do tamanho da minha altura."
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Frases como estas, que parecem crescer sem vontade que as houvesse dito, limpam-me de toda
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a metafísica que espontaneamente acrescento à vida. Depois de as ler, chego à minha janela
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sobre a rua estreita, olho o grande céu e os muitos astros, e sou livre com um esplendor alado
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cuja vibração me estremece no corpo todo.
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"Sou do tamanho do que vejo!"Cada vez que penso esta frase com toda a atenção dos meus
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nervos, ela me parece mais destinada a reconstruir consteladamente o universo. "Sou do
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tamanho do que vejo!" Que grande posse mental vai desde o poço das emoções profundas até
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às altas estrelas que se reflectem nele e, assim, em certo modo, ali estão.
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E já agora, consciente de saber ver, olho a vasta metafísica objectiva dos céus todos com uma
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segurança que me dá vontade de morrer cantando. "Sou do tamanho do que vejo!" E o vago
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luar, inteiramente meu, começa a estragar de vago o azul meio-negro do horizonte.
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Tenho vontade de erguer os braços e gritar coisas de uma selvageria ignorada, de dizer
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palavras aos mistérios altos, de afirmar uma nova personalidade larga aos grandes espaços da
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matéria vazia.
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Mas recolho-me e abrando-me. "Sou do tamanho do que vejo!" E a frase fica sendo-me a
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alma inteira, encosto a ela todas as emoções que sinto, e sobre mim, por dentro, como sobre a
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cidade por fora, cai a paz indecifrável do luar duro que começa largo com o anoitecer."
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"A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me
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os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção
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analítica não consegue definir."
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"O isolamento talhou-me à sua imagem e semelhança. A presença de outra pesoa - de uma só
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pessoa que seja - atrasa-me imediatamente o pensamento, e, ao passo que no homem normal o
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contacto com outrem é um estímulo para a expressão e para o dito, em mim esse contacto é
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um contra-estímulo."
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"Os meus hábitos são da solidão, que não dos homens"; não sei se foi Rousseau, se Senancour,
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o que disse isto. Mas foi qualquer espírito da minha espécie - não poderia talvez dizer da
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minha raça."
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"O vento levantou-se...Primeiro era como a voz de um vácuo...um soprar no espaço para
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dentro de um buraco, uma falta no silêncio do ar. Depois ergueu-se um soluço, um soluço do
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fundo do mundo, o sentir-se que tremiam vidraças e que era realmente vento. Depois soou
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mais alto, urro surdo, um chocar sem ser ante o aumentar nocturno, um ranger de coisas, um
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cair de bocados, um átomo de fim do mundo."
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"Os Deuses, se são justos em sua injustiça, nos conservem os sonhos ainda quando sejam
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impossíveis, e nos dêem bons sonhos, ainda que sejam baixos."
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"Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros
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com alma igual. A minha vaidade são algumas páginas, uns trechos, certas dúvidas...
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Releio?Menti! Não ouso reler. Não posso reler. De que me serve reler? O que está ali é outro.
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Já não compreendo nada..."
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"Ah, mas como eu desejaria lançar ao menos numa alma alguma coisa de veneno, de
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desassossego e de inquietação. Isso consolarme-ia um pouco da nulidade de acção em que
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vivo. Perverter seria o fim da minha vida. Mas vibra alguma alma com as minhas palavras?
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Ouve-as alguém que não só eu?
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"Dói-me qualquer sentimento que desconheço; falta-me qualquer argumento não sei sobre o
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quê; não tenho vontade nos nervos. Estou triste abaixo da consciência. E escrevo estas linhas,
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realmente mal-notadas, não para dizer isto, nem para dizer qualquer coisa, mas para dar um
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trabalho à minha desatenção. Vou enchendo lentamente, a traços moles de lápis rombo - que
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não tenho sentimentalidade para aparar - , o papel branco de embrulho de sanduíches, que
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me forneceram no café, porque eu não precisava de melhor e qualquer servia, desde que fosse
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branco. E dou-me por satisfeito."
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"A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência."
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"Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência
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com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento.
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Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir
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não é mais que o alimento de pensar."
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"Correr riscos reais, além de me apavorar, não é por medo que eu sinta excessivamente perturba-me a perfeita atenção às minhas sensações, o que me incomoda e despersonaliza.
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Nunca vou para onde há risco. Tenho medo a tédio dos perigos."
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"Leve, como uma coisa que começasse, a maresia da brisa pairou sobre o Tejo e espalhou-se
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sujamente pelos princípios da Baixa. Nauseava frescamente, num torpor frio de mar morto.
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Senti a vida no estômago, e o olfacto tornou-se-me uma coisa por detrás dos olhos. Altas,
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pousavam em nada nuvens ralas, rolos, num cinzento a desmoronar-se para branco falso. A
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atmosfera era de uma ameaça de céu cobarde, como a de uma trovoada inaudível, feita de ar
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somente.
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Havia estagnação no próprio voo das gaivotas; pareciam coisas mais leves que o ar, deixadas
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nele por alguém. Nada abafava. A tarde caía num desassossego nosso; o ar refrescava
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intermitentemente.
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Pobres das esperanças que tenho tido, saídas da vida que tenho tido de ter! São como esta
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hora e este ar, névoas sem névoa, alinhavos rotos de tormenta falsa. Tenho vontade de gritar,
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para acabar com a paisagem e a meditação. Mas há maresia no meu propósito, e a baixa-mar
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em mim deixou descoberto o negrume lodoso que está ali fora e não vejo senão pelo cheiro.
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Tanta inconsequência em querer bastar-me! Tanta consciência sarcástica das sensações
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supostas! Tanto enredo da alma com as sensações, dos pensamentos com o ar e o rio, para
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dizer que me dói a vida no olfacto e na consciência, para não saber dizer, como na frase
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simples e ampla do livro de Job, "Minha alma está cansada de minha vida!"
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INTERVALO DOLOROSO
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"Tudo me cansa, mesmo o que não me cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha
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dor.
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Quem me dera ser uma criança pondo barcos de papel num tanque de quinta, com um dossel
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rústico de entrelaçamentos de parreira pondo xadrezes de luz e sombra verde nos reflexos
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sombrios da pouca água.
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Entre mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a
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vida, eu não posso lhe tocar.
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Raciocinar a minha tristeza? Para quê, se o raciocínio é um esforço? e quem é triste não pode
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esforçar-se. Nem mesmo abdico daqueles gestos banais da vida de que eu tanto quereria
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abdicar. Abdicar é um esforço, e eu não possuo o de alma com que esforçar-me.
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Quantas vezes me punge o não ser o manobrante daquele carro, o cocheiro daquele trem!
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qualquer banal Outro suposto cuja vida, por não ser minha, deliciosamente se me penetra de
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eu querê-la e se me penetra até de alheia!
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Eu não teria o horror à vida como a uma Coisa. A noção da vida como um Todo não me
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esmagaria os ombros do pensamento.
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Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda chuva contra um raio.
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Sou tão inerte, tão pobrezinho, tão falho de gestos e actos.
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Por mais que por mim me embrenhe, todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de
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angústia.
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Mesmo eu , o que sonha tanto, tenho intervalos em que o sonho me foge. Então as coisas
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aparecem-me nítidas. Esvai-se a névoa de quem me cerco. E todas as arestas visíveis ferem a
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carne da minha alma. Todas as durezas olhadas me magoam o conhêce-las durezas. Todos os
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pesos visíveis de objectos me pesam por a alma dentro.
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A minha vida é como se me batessem com ela."
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"Meditei hoje, num intervalo de sentir, na forma de prosa de que uso. Em verdade, como
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escrevo? Tive, como muitos têm tido, a vontade pervertida de querer ter um sistema e uma
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norma. É certo que escrevi antes da norma e do sistema; nisso, porém, não sou diferente dos
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outros.
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Analisando-me à tarde, descubro que o meu sistemade estilo assenta em dois princípios, e
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imediatamente, e à boa maneira dos bons clássicos, erijo esses dois princípios em fundamentos
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gerais de todo estilo: dizer o que se sente exactamente como se sente - claramente, se é claro;
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obscuramente, se é obscuro; confusamente, se é confuso - ; compreender que a gramática é
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um instrumento, e não uma lei."
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"Fazer qualquer coisa completa, inteira, seja boa ou seja má - e, se nunca é inteiramente boa,
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muitas vezes não é inteiramente má - , sim, fazer uma coisa completa causa-me, talvez, mais
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inveja do que outro qualquer sentimento. É como um filho: é imperfeita como todo o ente
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humano, mas é nossa como os filhos são.
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E eu, cujo espírito de crítica própria me não permite senão que veja os defeitos, as falhas, eu,
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que não ouso escrever mais que trechos, bocados, excertos do inexistente, eu mesmo, no pouco
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que escrevo, sou imperfeito também. Mais valeram pois, ou a obra completa, ainda que má,
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que em todo o caso é obra; ou a ausência de palavras, o silêncio inteiro da alma que se
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reconhece incapa de agir."
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"Sumir-me-ei entra a névoa, como um estrangeiro a tudo, ilha humana desprendida do sonho
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do mar e navio com ser supérfluo à tona de tudo."
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"Na falta de saber, escrevo; e uso os grandes termos da Verdade alheios conforme as
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exigências da emoção. Se a emoção é clara e fatal, falo, naturalmente, dos deuses e assim a
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enquadro numa consciência do mundo múltiplo. Se a emoção é profunda, falo, naturalmente,
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de Deus, e assim a engasto numa consciência una. Se a emoção é um pensamento, falo,
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naturalmente, do Destino, e assim a encosto à parede."
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"Quando ponho de parte os meus artifícios e arrumo a um canto, com um cuidado cheio de
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carinho - com vontade de lhes dar beijos - os meus brinquedos, as palavras, as imagens, as
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frases - fico tão pequeno e inofensivo, tão só num quarto tão grande e tão triste, tão
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profundamente triste!...
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Afinal eu quem sou, quando não brinco? Um pobre órfão abandonado nas ruas das sensações,
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tiritando de frio às esquinas da Realidade, tendo que dormir nos degraus da Tristeza e comer
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o pão dado da Fantasia. De meu pai sei o nome; disseram-me que se chamava Deus, mas o
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nome não me dá idéia de nada. Ás vezes, na noite, quando me sinto só, chamo por ele e choro,
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e faço-me uma idéia dele a que possa amar...Mas depois penso que o não conheço, que talvez
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ele não seja assim, que talvez seja nunca esse o pai da minha alma...
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Quando acabará isso tudo, estas ruas onde arrasto a minha miséria, e estes degraus onde
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encolho o meu frio e sinto as mãos da noite por entre os meus farrapos? Se um dia Deus me
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viesse buscar e me levasse para a sua casa e me desse calor e afeição...Ás vezes penso isto e
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choro com alegria a pensar que o posso pensar...Mas o vento arrasta-se pela rua fora e as
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folhas caem no passeio...Ergo os olhos e vejo as estrelas que não têm sentido nenhum...E de
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tudo isto fico apenas eu, uma pobre criança abandonada, que nenhum Amor quis par seu
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filho adoptivo, nem nehuma Amizade para seu companheiro de brinquedos.
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Tenho frio de mais. Estou tão cansado no meu abandono. Vai buscar, ó Vento, a minha Mãe.
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Leva-me na Noite para a casa que não conheci...Torna a dar-me, ó Silêncio imenso, a minha
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ama e o meu berço e a minha canção com que eu dormia..."
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"O sonhador não é superior ao homem activo porque o sonho seja superior à realidade. A
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superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o
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sonhador extrai da vidaum prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de
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acção. Em melhores e muito mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de acção.
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Sendo a vida essencialmente um estado mental, e tudo, quanto fazemos ou pensamos, válido
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para nós na proporção em que o pensamos válido, depende de nós a valorização. O sonhador
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é um emissor de notas, e as notas que emite correm na cidade do seu espírito do mesmo modo
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que as da realidade."
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"Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!"
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"Em mim foi sempre menor a intensidade das sensações que a intensidade da consciência
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delas. Sofri sempre mais com a consciência de estar sofrendo que com o sofrimento de que
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tinha consciência.
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A vida das minhas emoções mudou-se, de origem, para as salas do pensamento, e ali vivi
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sempre mais amplamente o conhecimento emotivo da vida.
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E como o pensamento, quando alberga a emoção, se torna mais exigente que ela, o regime de
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consciência, em que passei a vive o que sentia, tornava-se mais quotidiana, mais epidérmica,
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tornava-se mais titilante a maneira como sentia."
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"Somos quem não somos e a vida é pronta e triste."
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"Quantos somos! Quantos nos enganamos! Que mares soam em nós, na noite de sermos, pelas
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praias que nos sentimos nos alagamentos da emoção! Aquilo que se perdeu, aquilo que se
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deveria ter querido, aquilo que se obteve e satisfez por erro, o que amamamos e perdemos e,
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depois de perder, vimos, amando por tê-lo perdido, que o não havíamos amado; o que
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julgávamos que pensávamos quando sentíamos; o que era uma memória e críamos que era
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uma emoção; e o mar todo, vindo lá, rumoroso e fresco, do grande fundo de toda a noite, a
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estuar fino na praia, no decurso nocturno do meu passeio à beira-mar ...
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Quem sabe sequer o que pensa ou o que deseja? Quem sabe o que é para si-mesmo?"
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"Tão supérfluo tudo! Nós e o mundo e o mistério de ambos."
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" O pensamento colectivo é estupído porque é colectivo: nada passa as barreiras do colectivo
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sem deixar nelas, como real de água, a maior parte da inteligência que traga consigo.
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Na mocidade somos dois: há em nós a coexistência da nossa inteligência própria, que pode ser
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grande, e a da estupidez da nossa inexperiência, que forma uma segunda inteligência inferior.
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Só quando chegamos a outra idade se dá em nós a unificação. Daí a acção sempre fruste da
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juventude - devida, não à sua inexperiência, mas à sua não-unidade."
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" Sou daquelas almas que as mulheres dizem que amam, e nunca reconhecem quando
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encontram, daquelas que, se elas as reconhecessem, mesmo assim não as reconheceriam. Sofro
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a delicadeza dos meus sentimentos com uma atenção desdenhosa. Tenho todas as qualidades,
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pelas quais são admirados os poeta românticos, mesmo aquela falta dessas qualidades, pela
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qual se é realmente poeta romântico. Encontro-me descrito (em parte) em vários romances
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como protagonista de vários enredos; mas o essencial da minha vida, como da minha alma, é
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não ser nunca protagonista."
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"O cais, a tarde, a maresia entram todos, e entram juntos, na composição da minha angústia.
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As flautas dos pastores impossíveis não são mais suaves que o não haver aqui flautas e isso
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lembrar-mas."
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" Cada qual tem o seu álcool. Tenho álcool bastante em existir. Bêbado de me sentir, vagueio
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e ando certo. Se são horas, recolho ao escritório como qualquer outro. Se não são horas, vou
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até o rio fitar o rio, como qualquer outro. Sou igual. E por detrás de isso, céu meu, constelome às escondidas e tenho o meu infinito."
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" Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um
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conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.
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Isto é verdade em toda a escala do amor. No amos sexual buscamos um prazer nosso por
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intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso
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dado por intermédio de uma ideia nossa. O onanista é objecto, mas, em exacta verdade, o
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onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.
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As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as
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palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No
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próprio ato em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois «amo-te» ou pensamno e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, uma vida diferente, até,
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porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstracta de impressões que constitui a
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actividade da alma."
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"É de compreender que sobretudo nos cansamos. Viver é não pensar."
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"Para o esteta, as tragédias são coisas interessantes de observar, mas incomodas de sofrer. O
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próprio cultivo da imaginação é prejudicado pelo da vida. Reina quem não está entre os
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vulgares.
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Afinal, isto bem me contentaria se eu conseguissepersuadir-me que esta teoria não é o que é,
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um complexo barulho que faço aos ouvidos da minha inteligência, quase para ela não
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perceber que, no fundo, não há senão a minha timidez, a minha incompetência para a vida."
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ESTÉTICA DO ARTIFÍCIO
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" A vida prejudica a expressão da vida. Se eu tivesse um grande amor nunca o poderia contar.
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Eu próprio não sei se este eu, que vos exponho, por estas coleantes páginas fora, realmente
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existe ou é apenas um conceito estético e falso que fiz de mim próprio. Sim, é assim. Vivo-me
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esteticamente em outro. Esculpi a minha vida como a uma estátua de matéria alheia ao meu
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ser. Às vezes não me reconheço, tão exterior me pus a mim, e tão de modo puramente artístico
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empreguei a minha consciência de mim próprio. Quem sou por detrás desta irrealidade? Não
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sei. Devo ser alguém. E se não busco viver, agir, sentir, é - crede-me bem - para não perturbar
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as linhas feitas da minha personalidade suposta. Quero ser tal qual quis ser e não sou. Se eu
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cedesse destruir-me-ia. Quero ser uma obra de arte, da alma pelo menos, já que do corpo não
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posso ser. Por isso me esculpi em calma e alheamento e me pus em estufa, longe dos ares
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frescos e das luzes francas - onde a minha artificialidade, flor absurda, floresça em afastada
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beleza."
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"Assim organizar a nossa vida que ela seja para os outros um mistério, que quem melhor nos
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conheça, apenas nos desconheça de mais perto que os outros. Eu assim talhei a minha vida,
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quase que sem pensar nisso, mas tanta arte institiva pus em fazê-lo que para mim próprio me
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tornei uma não de todo clara e nítida individualidade minha."
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"A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida."
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"A maioria da gente enferma de não saber dizer o que vê e o que pensa. Dizem que não há
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nada mais difícil do que definir em palavras uma espiral: é preciso, dizem, fazer no ar, com a
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mão sem literatura, o gesto, ascendemente enrolado em ordem, com que aquela figura
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abstracta das molas ou de certas escadas se manifesta aos olhos. Mas, desde que nos
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lembremos que dizer é renovar, definiremos sem dificuldade uma espiral: é um círculo que
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sobe sem nunca conseguir acabar-se. A maioria da gente, sei bem, não ousaria definir assim,
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porque supõe que definir é dizer o que os outros querem que se diga, que não o que é preciso
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dizer para definir. Direi melhor: uma espiral é um circulo virtual que se desdobra a subir sem
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nunca se realizar: Mas não, a definição ainda é abstracta. Buscarei o concreto, e tudo será
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visto: uma espiral é uma cobra sem cobra enroscada verticalmente em coisa nenhuma.
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Toda a literatura consiste num esforço para tornar a vida real. Como todos sabem, ainda
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quando agem sem saber, a vida é absolutamente irreal, na sua realidade directa; os campos,
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as cidades, as ideias, sao coisas absolutamente fictícias, filhas da nossa complexa sensação de
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nós mesmos. Sâo intransmissíveis todas as impressões salvo se as tornarmos literárias. As
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crianças são muito literárias porque dizem como sentem e não como deve sentir quem sente
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segundo outra pessoa. Uma criança, que uma vez ouvi, disse, querendo dizer que estava à
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beira de chorar, não «Tenho vontade de chorar», que é como diria um adulto, isto é, um
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estúpido, senão isto: «Tenho vontade de lágrimas». E esta frase, absolutamente literária, a
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ponto de que seria afectada num poeta célebre, se ele a pudesse dizer, refere absolutamente a
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presença quente das lágrimas a romper das pálpebras conscientes da amargura líquida.
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«Tenho vontade de lágrimas»! Aquela criança pequena definiu bem a sua espiral."
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" Sinto perante o rebaixamento dos outros não uma dor, mas um desconforto estético e uma
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irritação sinuosa. Não é por bondade que isto acontece, mas sim porque quem se torna
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ridículo não é só para mim que se torna ridículo, mas para os outros também, e irrita-me que
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alguém esteja sendo ridículo para os outros, dói-me que qualquer animal da espécie humana
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ria à custa de outro, quando não tem direito de o fazer. De os outros se rirem à minha custa
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não me importo, porque de mim para fora há um desprezo profícuo e blindado.
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Mais terrível de que qualquer muro , pus grades altíssimas a demarcas o jardim do meu ser,
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de modo que, vendo perfeitamente os outros, perfeitissimamente eu os excluo e mantenho
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outros.
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Escolher modos de não agir foi semrpre a atenção e o escrúpulo da minha vida.
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Não me submeto ao estado nem aos homens; resisto inertemente. O estado só me pode querer
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para uma açcão qualquer. Não agindo eu, ele nada de mim consegue. Hoje já não se mata, e
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ele apenas me pode incomodar; se isso acontecer, terei que blindar mais o meu espírito e viver
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mais longe adentro dos meus sonhos. Mas isso não aconteceu nunca. Nunca me apoquentou o
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estado. Creio que a sorte soube providenciar."
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" Tenho da vida uma náusea vaga, e o movimento acentua-ma."
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"A vida, para mim, é uma sonolência que não chega ao cérebro. Esse conservo eu livre para
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que nele possa ser triste."
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"Que me pode dar a China que a minha alma me não tenha já dado? E, se a minha alma mo
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não pode dar, como mo dará a China, se é com a minha alma que verei a China, se a vir?
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Poderei ir buscar riqueza ao Oriente, mas não riqueza de alma, porque a riqueza de minha
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alma sou eu, e eu estou onde estou, sem Oriente ou com ele."
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"Somos todos míopes, excepto para dentro. Só o sonho vê com o olhar."
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"Transeuntes eternos por nós mesmos, não há paisagem senão o que somos. Nada possuímos,
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porque nem a nós possuímos. Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que
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universo? O universo não é meu: sou eu."
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"A ânsia de compreender, que para tantas almas nobres substitui a de agir, pertence à esfera
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da sensibilidade. Substitui a Inteligência à energia, quebrar o elo entre a vontade e a emoção,
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despindo de interesse todos os gestos da vida material, eis o que, conseguido, vale mais que a
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vida, tão difícil de possuir completa, e tão triste de possuir parcial.
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Diziam os argonautas que navegar é preciso, mas que viver não é preciso. Argonautas, nós, da
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sensibilidade doentia, digamos que sentir é preciso, mas que não é preciso viver."
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"Arcaram os vossos argonautas com monstros e medos. Também, na viagem do meu
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pensamento, tive monstros e medos com que arcar. No caminho para o abismo abstracto, que
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está no fundo das coisas, há horrores, que passar, que os homens do mundo não imaginam e
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medos que ter que a experiência humana não conhece; é mais humano talvez o cabo para o
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lugar indefinido do mar comum do que a senda abstracta para o vácuo do mundo."
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"Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é
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para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem
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nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista,
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entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me
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parece melhor a minha ideia de os achar belos.
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Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos."
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"Eu não sou pessimista, sou triste."
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"Omnia fui, nihil expedit - fui tudo, nada vale a pena."
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"Para mim, se considero, pestes, tormentas, guerras, são produtos da mesma força cega,
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operando uma vez através de micróbios inconscientes, outra vez através de raios e águas
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inconscientes, outra vez através de homens inconscientes."
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"Há uma erudição do conhecimento, que é propriamente o que se chama erudição, e há uma
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erudição do entendimento, que é o que se chama cultura. Mas há também uma erudição da
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sensibilidade."
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"Condillac começa o seu livro célebre, «Por mais alto que subamos e mais baixo que
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desçamos, nunca saímos das nossas sensações». Nunca desembarcamos de nós. Nunca
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chegamos a outrem, senão outrando-nos pela imaginação sensível de nós mesmos. As
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verdadeiras paisagens são as que nós mesmos criamos, porque assim, sendo deuses delas, as
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vemos como elas verdadeiramente são, que é como foram criadas. Não é nenhuma das sete
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partidas do mundo aquela que me interessa e posso verdadeiramente ver; a oitava é a que
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percorro e é a minha."
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"Há muito tempo que não escrevo. Têm passado meses sem que viva, e vou durando, entre o
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escritório e a fisiologia, numa estagnação íntima de pensar e de sentir. Isto, infelizmente, não
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repousa: no apodrecimento há fermentação."
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"É domingo e não tenho que fazer. Nem sonhar me apetece, de tão bem que está o dia. Gozo-o
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com uma sinceridade de sentidos a que a inteligência se abandona. Passeio como um caixeiro
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liberto. Sinto-me velho, só para ter o prazer de me sentir rejuvenescer."
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"O homem perfeito do pagão era a perfeição do homem que há; o homem perfeito do cristão a
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perfeição do homem que não há; o homem perfeito do budista a perfeição de não haver
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homem."
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"Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de
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todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido de que havia de ser o do texto;
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mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possíveis são muitos."
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"Não é fácil distinguir o homem dos animais, não há critério seguro para distinguir o homem
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dos animais. As vidas humanas decorrem da mesma íntima inconsciência que as vidas dos
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animais. As mesmas leis profundas, que regem de fora os instintos dos animais, regem,
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também, de fora, a inteligência do homem, que parece não ser mais que um instinto em
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formação, tão inconsciente como todo instinto, menos perfeito porque ainda não formado.
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«Tudo vem da sem-razão», diz-se na Antologia Grega."
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"A Ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente. E a ironia atravessa
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dois estádios: o estádio marcado por Sócrates, quando disse «sei só que nada sei», e o estádio
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marcado por Sanches, quando disse «nem sei se nada sei». O primeiro passo chega àquele
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ponto em que duvidamos de nós dogmaticamente, e todo o homem superior o dá e atinge. O
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segundo passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós e da nossa dúvida, e poucos
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homens o têm atingido na curta extensão já tão longa do tempo que, humanidade, temos visto
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o sol e a noite sobre a vária superfície da terra."
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"Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de
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perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me
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e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma
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cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma
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para suspender. Este livro é a minha cobardia."
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"Escrevo demorando-me nas palavras, como por montras onde não vejo, e são meios-sentidos,
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quase-expressões o que me fica, como cores de estofos que não vi o que são, harmonias
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exibidas compostas de não sei que objectos. Escrevo embalando-me, como uma mãe louca a
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um filho morto."
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